sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

POLÍTICA, CIDADANIA E ESPIRITUALIDADE





[...] E, inda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera...

I. A maçonaria nasce de um coletivo e a um coletivo se destina. Se está claro o que a sublime Ordem faz aqui, de onde vem e para onde vai, clara também deve ser a consequência lógica do seu programa Político em potencialidade. Potencial que se traduz em potência, quando o programa Político propagado pelos espíritos se encontra com a prática Política realizada pelos espíritas. Política aqui entendida em seu sentido maior, como o grande ofício de agregar os cidadãos em torno do bem comum da “Pólis”.

Seguindo os antigos, como desejava Aristóteles em sua Ética à Nicômaco, a “perícia” capaz de projetar “a partir de princípios fundamentais” o “bem supremo”. Seguindo os contemporâneos, também encontramos esse ideal. O Professor de história política do Collége de France, Pierre Rosanvallon, em seu livro Por uma histórica conceitual do Político, faz uma importante distinção: o campo do Político seria o dos “múltiplos os da vida dos homens e mulheres”, o do “sentido” de sociedade aos seus partícipes, que faz um agrupamento “que não passa de uma mera população tornar-se uma verdadeira comunidade”.

Já o campo da Política englobaria a arena das “competições partidárias pelo exercício do poder, da ação governamental cotidiana e da vida ordinária das instituições” (ROSANVALLON, 2010, p. 72-73). Assim concebido, podemos nos entender, tanto no campo do Político – aquele onde se situam as visões, as representações que criamos de nós mesmos, que ajudam ou não a nos transformamos em um coletivo frente os desafios do mundo, quanto no campo da Política – aquele onde se situam as nossas ações na arena política, nas ações governamentais, na vida cotidiana das instituições. Os desafios não são poucos.

II. Do Individual e do Social: Não é raro ouvir: “o importante é cada um fazer a sua parte!” ou “se cada um se conscientizar da sua obrigação, as coisas vão pra frente!”, ou ainda, “é tudo uma questão de mudança individual!”. Eis algumas “visões”, posicionamentos no campo do Político que não colaboram, quando somos chamados do individual ao social.

A questão central é não analisar tal posicionamento frente a uma reflexão mais ampla sobre o nosso ser e estar no mundo, sobre o nosso ser “com” o outro. Desconsiderar o fortalecimento da construção coletiva, transindividual da nossa narrativa de evolução na Terra. Equilibrando o encontro conosco com os encontros com o nosso “outro” das ruas, praças, Ágoras do terceiro milênio. Isso demanda uma competência Política... “E não há nada, nada, nada a temer, pois a força do bem é o maior poder!” - Mas como não temer, se a política se tornou o próprio lugar do medo?

É bem verdade que, nas atuais comunidades terrestres, o campo da Política não tem sido um campo sadio para cultivadores dos elevados ideais da polis. Pelo poder que oferece, o mandato institucional político é de tal forma contagiante e - controversamente - inebriante, que sujeita aqueles que nele se embrenham a armadilhas sutis, poderosas e onerosas.

No exercício legislativo, por exemplo, muitos não conseguem explicar a real motivação que os levou ao pantanoso terreno. Na melhor das hipóteses, não escapam de um cruel estigma. Eis o lugar do medo, contudo é mais sábio e terapêutico destruirmos ou lidarmos com os nossos medos que sermos destruídos por eles. Eis o lugar da coragem no bem.

 Dessa forma, visualizando a Política como instrumento de coletividade, geradora de benefícios em favor do todo, alinhando-se aí Constituição e Democracia, há de se perguntar: De que forma ampliar a participação do maçom na sociedade? Um caminho pode ser o de trabalhar para um entendimento mais adequado das conexões entre maçonaria e política, por meio de debates e reflexões com os Franco Maçons, ou seja, trabalhar para, cada vez mais, elevarmos a politização do movimento maçônico e a espiritualização do movimento político”.

 

III. Do Social e do Espiritual:

Quando se pensa em desafios, lembramos o Humberto de Campos, na obra Boa Nova, quando fala da convocação que o Mestre faz aos “500 da Galileia”, atribuindo- lhes a tarefa de reencarnarem através dos milênios, disseminando a prática do Seu Evangelho com o exemplo da dor e da superação. Vida após vida, lá estariam – “sal da terra” −, vivenciando o extremado amor à Causa do Cristo. E a Política, que fala ao indivíduo e às massas, pode ser eleita para sentir, na sua medula estrutural, o sopro renovador da esperança de dias melhores.

Sabemos que o individual sem o espiritual é porta larga ao individualismo, embuste do nosso próprio egoísmo; por outro lado, a mobilização social dissociada da espiritualidade pode ser o retorno da multidão fragmentária sob perversa retórica social. Disso nos relembra a filósofa alemã Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo, onde “os movimentos totalitários são organizações maciças de indivíduos atomizados e isolados” com “total, irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual”.

Assim também surgem os “estados de exceção” denunciados pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, a “indeterminação entre democracia e absolutismo”. Nesse sentido, ser maçom é se posicionar contra tudo isso cumprindo nossa missão no mundo que é : Instruir aqueles que buscam a Luz. Ajudá-los a avançar, melhorar as suas instituições por meios diretos e materiais. Um excelente começo é unir-se às instituições, associações e aos indivíduos que já desenvolvem essa missão no mundo. Entre outras, três iniciativas podem colaborar muito:

- Assumir ações de intervenção social;

- Assumir posições em instâncias de intervenção social;

- Assumir formações para a intervenção social. Em todas essas iniciativas, unir – imprescindivelmente – individualidade, sociabilidade e espiritualidade.

Há muitos maçons que já atuam bravamente em atividades de grande impacto social. São trabalhadoras e trabalhadores em conselhos municipais, estaduais, federais; hospitais, asilos, abrigos; campanhas, eventos, bazares; em diversa instituições de emancipação social, artística, científica, política, religiosa, médica, jurídica, entre tantas outras.

São pessoas que, no desafiador encontro com o outro, encontram-se consigo mesmas.

Com a sua crítica científica, filosófica e religiosa, o movimento maçônico torna-se, então, um grande “Movimento Social”. Como tal, deve dialogar com os demais movimentos sociais, partilhando dúvidas e críticas, crescendo com eles e elas, emancipando-se e emancipando todas as formas de vida na Terra.

Furtar-se a tal política por receio de fanatismos, fundamentalismos e extremismos não é um meio de resolver os nossos problemas, mas de aprofundá-los. O filósofo político norte- americano Michael Sandel, em seu livro Justiça: o que é fazer a coisa certa, também compreende a importância da relação entre política, cidadania e espiritualidade.

Demonstra que “o desafio é imaginar uma política que leve a sério as questões morais e espirituais, mas que as aplique também a interesses econômicos e cívicos [...]”. Para Sandel, “Em vez de evitar as “convicções morais e religiosas que nossos concidadãos levam para a vida pública, deveríamos nos dedicar a elas mais diretamente – às vezes desafiando-as e contestando -as, às vezes ouvindo-as e aprendendo com elas”. O isolamento religioso, como o isolamento social, conduz ao egoísmo”. E já vimos para onde o egoísmo nos conduz... É uma grande exigência! Porém sabemos que muito será exigido daqueles que, “entre os chamados”, se apresentarem para essa elevada tarefa – “muito se pedirá de quem muito recebeu”.

Finalmente, não nos enganemos, o mundo tem e teve excelentes exemplos de políticos. Para muitos, o maior deles, foi o que, decisivamente, transformou a paisagem terrena, espiritualizando as relações sociais, a política, o mundo. Antecipando em dois mil anos o futuro da nossa política, o nosso próprio futuro: se libertar do próprio ódio e se encontrar com o próprio Amor – “Um dia todos abrirão os olhos”...

 

Texto original editado para o site

Referência:

Revista A Senda, Espírito Santo, Gráfica JEP, maio-junho 2017.

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