sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

ÉTICA E MORAL NA MAÇONARIA ATUAL

 

A ética deveria ser um ensino obrigatório para os estudantes no Brasil, em particular, tamanha a necessidade dela em nosso meio social. Eis a primazia da ética e moral nas lides maçônicas em nosso país e no mundo. Urge fortalecer ainda mais a moral e ética nos ensinamentos maçônicos, dado a relevância de mostrar na vivência da família e sociedade o comportamento tão proclamado nos rituais maçônicos. Os momentos vividos no país provocam impactos na sociedade em geral, e diversas abordagens têm sido realizadas para se compreender o cenário atual. As análises com base na ética e na moral são sempre pertinentes. Há muitos estudos acadêmicos que discutem os conceitos e a aplicação da ética e da moral, porém parece-nos oportuna a reflexão fundamentada na filosofia maçônica e de maneira mais simples. Em geral, aceita-se que a ética procura distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o certo do errado, o que é permitido e o que é proibido, tendo em vista o conjunto de normas adotadas por uma sociedade; seria mais especulativa. Já a moral se refere às normas ou regras que regem a conduta humana e envolve dever e prática consciencial. A chamada consciência moral é a capacidade de decidir diante das alternativas possíveis de distinguir o bem do mal. Portanto, a ética é o fundamento e a moral é a prática.

Muitos entendem que ética e moral são inseparáveis.¹ Allan Kardec, em suas obras, não empregou a palavra “ética”, mas o conceito e o objeto desta estão implícitos em O livro dos espíritos e O evangelho segundo o espiritismo. No livro dos espíritos, o filósofo Kardec analisa as “Leis Morais”², e, na Introdução de O evangelho segundo o espiritismo, ele descreve o ensino moral como o objetivo dessa obra.³ A ética cristã está fundamentada nos ensinos do Cristo, sintetizados na “regra de ouro”: “Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós” (Mateus 7, 12).

Em suas memoráveis Epístolas, Paulo de Tarso definiu diretrizes de ordem comportamental das quais destacamos alguns versículos: “Examinai tudo. Retende o bem” (1 Tessalonicenses 5, 21); Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam” (I Coríntios 10, 23); “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Romanos 12, 21); “[...] já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2, 19-20). O fato de Paulo citar o chavão da época referente à cidade de Corinto - “todas as coisas são lícitas” -, aponta para uma situação que o afligia. Os cristãos dos nascentes grupos de Corinto sofriam influências do contexto da época daquela cidade. O sábio grego Estrabão, no século anterior, já havia descrito a devassidão moral que grassava na importante cidade portuária e entroncamento para várias nações e culturas.

A expressão “viver como um coríntio” referia-se a desregramentos comportamentais e que eram considerados “normais” naquela cidade. Essa questão ética e a tendência de adoção de práticas aberrantes motivaram o apóstolo Paulo a elaborar a 1ª Epístola aos Coríntios. Em seus textos, desenvolveu o raciocínio de que alguns princípios que eram defendidos na sociedade local e da época precisavam ser observados pelas diretrizes ligadas à conduta cristã, não se restringindo às normas que eles adotavam e das quais dependiam tanto. Respeitadas as diferenças, em tese, parece-nos que a colocação de Paulo está adequada ao mundo de nossos dias, e com predominância de ambientes de liberdade de pensamento, de legislações liberais e da facilidade de comunicação.

No conjunto - Constituição do país, Leis e Normas -, define-se o que é legal, o que é “lícito” no dizer de Paulo de Tarso. Como ­ cariam as ideias de conveniência e de edificação que Paulo emprega na citada Epístola? A mensagem essencial da Boa Nova fortalece princípios e cultivo de virtudes. Sobre isso, a filosofia maçônica traz à tona a ideia do livre-arbítrio, dentro dos conceitos que emanam do conhecimento de vida imortal, e dos compromissos do ser espiritual consigo mesmo e com a sociedade. Nessa visão ampliada sobre o mundo, podemos também raciocinar sobre o que seria conveniente. O estudioso bíblico Champlin comenta que “conveniente” envolve “ajuda”, “benefício”, “proveito”, “utilidade”, “vantagem”, e, ao mesmo tempo, relaciona-se com a ideia de “edificação”.

Em O livro dos espíritos, as abordagens são referentes à moral, como as questões abaixo²: “Que definição se pode dar da moral? - A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.” “Como se pode distinguir o bem do mal? - O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei do G.A.D.U. Fazer o mal é infringi-la.”

Allan Kardec, nas Leis Morais de O livro dos espíritos, destaca que a lei divina ou natural, a Lei de Deus, é “a única e verdadeira a conduzir o homem à felicidade e que lhe indica o que ele deve ou não fazer” e que essa “lei está escrita na consciência do homem” ²

A ética, seguindo a filosofia espírita, está bem definida no livro dos espíritos, ao examinar a Lei do Grande Geômetra no tocante ao bem e o mal e ao apresentar esta lei subdividida em: leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de justiça, amor e caridade. Para Kardec, “essa última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras.” Sobre essa lei moral, Kardec enfatiza em O livro dos espíritos: “O progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de justiça, de amor e de caridade, lei que se funda na certeza do futuro.”² A ética espírita baseia-se nas máximas morais do Cristo e busca o conhecimento da verdade.

O comportamento ético-maçônico não pode se limitar ao ambiente interno das Lojas ou no atendimento das carências do próximo e deve se constituir o nosso modo de ser e de agir em todas as circunstâncias da vida. Inclui os esforços de melhoria pessoal e no relacionamento dentro do contexto em que vivemos. Os problemas morais do mundo são a miséria, a corrupção, a ambição, cuja matriz está no egoísmo. A propósito, Emmanuel discorre que “no mais desenfreado egoísmo, que provocou a crise moral do mundo, em cujos espetáculos sinistros podemos reconhecer que o homem físico, da radiotelefonia e do transatlântico, necessita de mais verdade que dinheiro, de mais luz que de pão.”

O citado autor espiritual também alerta: “As vossas cidades não se encontram repletas de associações, de grêmios, de classes inteiras que se reúnem e se sindicalizam para determinados ­ fins, conjugando idênticos interesses de vários indivíduos? Aí, não se abraçam os agiotas, os políticos, os comerciantes, os sacerdotes, objetivando cada grupo a defesa dos seus interesses próprios?”

Numa sociedade com forte apelo materialista, incluindo práticas monetaristas e consumistas, apesar de lícitas, indagamos como ­ caria a relação egoísmo/altruísmo e se haveria conveniência na ótica espiritual. Interessante é que a tendência plausível de se cuidar do corpo, muitas vezes, também tem um viés de egoísmo e narcisismo. Emmanuel comenta a importância do “corpo são”, porém acrescenta: “[...] a “mentalidade sadia” somente constituirá uma realidade quando houver um perfeito equilíbrio entre os movimentos do mundo e as conquistas interiores da alma.” Os aplausos e os triunfos materiais, por mais meritórios que sejam, podem se constituir meios e resultados inconvenientes sob a ótica da vida imortal. Os valores espirituais e afetivos não podem ser subjugados por valores cognitivos e imediatistas. Emmanuel faz um valioso apontamento sintético: “O sentimento e a sabedoria são as duas asas com que a alma se elevará para a perfeição in­finita.” Essas colocações espirituais e espíritas colaboram para uma análise das questões relacionadas com a ética e a moral e as opções individuais no mundo atual. Contribuições que podem ser parâmetros para se de­finir o que é lícito e conveniente, o que atende aos objetivos do bem, ou seja, o que é moralmente compatível com os ensinos do Cristo e os princípios do Espiritismo.

Na turbulência política e institucional que o país vive ­ fica clara a debilidade de valores éticos e morais em vários níveis da sociedade brasileira. Todavia, num sistema democrático. O povo tem muita responsabilidade na escolha de seus líderes. Assim, há indícios de que a enfermidade ética e moral tem raízes desde a base da sociedade. As inquietações e até turbulências que advém das di­ficuldades que a população passa nos momentos de crises mais intensas devem ser encaradas com respeito e serenidade. Manifestações, em geral, são lícitas. O exercício de se ouvir opiniões contrárias faz parte do processo. Porém não são convenientes alguns de seus desdobramentos no diapasão de violências e de desrespeito à pessoa e ao patrimônio público e privado.

Sobre situações similares, Emmanuel no livro O consolador, diz: “[...] no fracasso de todas as tentativas pacíficas, o cristão sincero, na sua feição individual, nunca deverá cair ao nível do agressor, sabendo estabelecer, em todas as circunstâncias, a diferença entre os seus valores morais e os instintos animalizados da violência física.” A comunidade maçônica também é ambiente para o cultivo de valores ético-morais.

Em nossos dias, é muito necessária e importante a análise sobre os rumos que está tomando a Ordem maçônica e a continuada veri­ficação com base nos critérios paulinos de “conveniente” e de “bem” e os parâmetros de Allan Kardec. É oportuna e sugestiva a advertência sobre a “esquina de pedra”: “É uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados.” (I Pedro 2, 8).

Durante suas viagens e contatos com lideranças da filosofia espírita, Kardec já sentia e alertava: “O homem que pratica o bem — isto dito em tese geral — deve, pois, esperar contar com a ingratidão, ter contra ele aqueles que, não o praticando, são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se sentindo fortalecidos para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu nível, pondo em xeque, pela maledicência ou pela calúnia, aqueles que os ofuscam.”

As posições de Kardec são fortalecidas por textos clássicos do ­ filósofo norte-americano William James, praticamente o iniciador da psicologia da religião, que considera a noção de “religião pessoal” ligada à esfera das “disposições interiores” dos indivíduos. Nessa perspectiva, o acadêmico James propõe para se transcender o aspecto meramente institucional e formal, isto é, incentivando-se a conscientização – no campo da experiência religiosa per se – dos adeptos perante o imperativo de se associar a “razão” ao “sentimento”, promovendo a “fusão do saber e da ação”.

Para concluir, As obras de Kardec, em vários trechos, comentam a causa principal dos distúrbios ético-morais, que pode ser resumida com a frase: “O egoísmo, chaga da Humanidade, tem que desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta.” Lembremos mais uma vez o apóstolo Paulo com seus marcantes registros. Anota a situação dele e, pode-se dizer de muitos que adotam princípios ético-morais no contexto de nosso mundo: “Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.” (Gálatas 6, 17) Porém, deixa claro que a consciência tranquila e o dever cumprido são as melhores recompensas espirituais: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.(Timóteo 4, 7).

Referências:
1) Souza, Sonia Maria Ribeiro. Um outro olhar: ­ filoso­fia. 1.ed. Cap. 10. São Paulo: FTD. 1995.
2) Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O livro dos espíritos. 70.ed. 3a Parte, cap. II a XI; questões 629 e 630; Conclusão IV. Rio de Janeiro: FEB. 1989.
3) Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O evangelho segundo o espiritismo. 131.e. Cap. XI, item 11. Brasília: FEB. 2013.
4) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Epístolas de Paulo à luz do espiritismo. 1.ed. Cap. 2 e 5. Matão: O Clarim. 2016.
5) Champlin, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4. São Paulo: Hagnos, 2014.
6) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. O consolador. 29.ed. Questões 68, 127, 148, 170, 204, 345, 365. Brasília: FEB. 2013.
7) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. Cap. 1.1, 2.2. Matão: O Clarim. 2016.
8) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. Viagem espírita de 1862 e outras viagens de Allan Kardec. 1.ed. Cap. Discursos pronunciados na reuniões gerais de Lyon e Bordeaux. FEB. 2005.
9) Carvalho, Flávio Rey; Carvalho, Antonio Cesar Perri. Espiritismo como religião: algumas considerações sobre seu caráter religioso e seu desenvolvimento no Brasil. In: Souza, André Ricardo; Simões, Pedro; Toniol, Rodrigo (Org.). Espiritualismo e Espiritismo. Reflexões para além da espiritualidade. 1.ed. Parte 1, Cap. 2. São Paulo: Editora Porto de Ideias. 2017.

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