A
ética deveria ser um ensino obrigatório para os estudantes no Brasil, em
particular, tamanha a necessidade dela em nosso meio social. Eis a primazia da
ética e moral nas lides maçônicas em nosso país e no mundo. Urge fortalecer
ainda mais a moral e ética nos ensinamentos maçônicos, dado a relevância de
mostrar na vivência da família e sociedade o comportamento tão proclamado nos
rituais maçônicos. Os momentos vividos no país provocam impactos na sociedade
em geral, e diversas abordagens têm sido realizadas para se compreender o
cenário atual. As análises com base na ética e na moral são sempre pertinentes.
Há muitos estudos acadêmicos que discutem os conceitos e a aplicação da ética e
da moral, porém parece-nos oportuna a reflexão fundamentada na filosofia maçônica
e de maneira mais simples. Em geral, aceita-se que a ética procura distinguir o
bem do mal, o justo do injusto, o certo do errado, o que é permitido e o que é
proibido, tendo em vista o conjunto de normas adotadas por uma sociedade; seria
mais especulativa. Já a moral se refere às normas ou regras que regem a conduta
humana e envolve dever e prática consciencial. A chamada consciência moral é a
capacidade de decidir diante das alternativas possíveis de distinguir o bem do
mal. Portanto, a ética é o fundamento e a moral é a prática.
Muitos
entendem que ética e moral são inseparáveis.¹ Allan Kardec, em suas obras, não
empregou a palavra “ética”, mas o conceito e o objeto desta estão implícitos em
O livro dos espíritos e O evangelho segundo o espiritismo. No livro dos
espíritos, o filósofo Kardec analisa as “Leis Morais”², e, na Introdução de O
evangelho segundo o espiritismo, ele descreve o ensino moral como o objetivo
dessa obra.³ A ética cristã está fundamentada nos ensinos do Cristo,
sintetizados na “regra de ouro”: “Tudo o que vós quereis que os homens vos
façam, fazei-o também vós” (Mateus 7, 12).
Em
suas memoráveis Epístolas, Paulo de Tarso definiu diretrizes de ordem
comportamental das quais destacamos alguns versículos: “Examinai tudo. Retende
o bem” (1 Tessalonicenses 5, 21); Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas
as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas
edificam” (I Coríntios 10, 23); “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal
com o bem” (Romanos 12, 21); “[...] já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em
mim” (Gálatas 2, 19-20). O fato de Paulo citar o chavão da época referente à
cidade de Corinto - “todas as coisas são lícitas” -, aponta para uma situação
que o afligia. Os cristãos dos nascentes grupos de Corinto sofriam influências
do contexto da época daquela cidade. O sábio grego Estrabão, no século
anterior, já havia descrito a devassidão moral que grassava na importante
cidade portuária e entroncamento para várias nações e culturas.
A
expressão “viver como um coríntio” referia-se a desregramentos comportamentais
e que eram considerados “normais” naquela cidade. Essa questão ética e a
tendência de adoção de práticas aberrantes motivaram o apóstolo Paulo a
elaborar a 1ª Epístola aos Coríntios. Em seus textos, desenvolveu o raciocínio
de que alguns princípios que eram defendidos na sociedade local e da época
precisavam ser observados pelas diretrizes ligadas à conduta cristã, não se
restringindo às normas que eles adotavam e das quais dependiam tanto.
Respeitadas as diferenças, em tese, parece-nos que a colocação de Paulo está
adequada ao mundo de nossos dias, e com predominância de ambientes de liberdade
de pensamento, de legislações liberais e da facilidade de comunicação.
No
conjunto - Constituição do país, Leis e Normas -, define-se o que é legal, o
que é “lícito” no dizer de Paulo de Tarso. Como cariam as ideias de
conveniência e de edificação que Paulo emprega na citada Epístola? A mensagem
essencial da Boa Nova fortalece princípios e cultivo de virtudes. Sobre isso, a
filosofia maçônica traz à tona a ideia do livre-arbítrio, dentro dos conceitos
que emanam do conhecimento de vida imortal, e dos compromissos do ser
espiritual consigo mesmo e com a sociedade. Nessa visão ampliada sobre o mundo,
podemos também raciocinar sobre o que seria conveniente. O estudioso bíblico
Champlin comenta que “conveniente” envolve “ajuda”, “benefício”, “proveito”,
“utilidade”, “vantagem”, e, ao mesmo tempo, relaciona-se com a ideia de
“edificação”.
Em
O livro dos espíritos, as abordagens são referentes à moral, como as questões
abaixo²: “Que definição se pode dar da moral? - A moral é a regra de bem
proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de
Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então
cumpre a lei de Deus.” “Como se pode distinguir o bem do mal? - O bem é tudo o
que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o
bem é proceder de acordo com a lei do G.A.D.U. Fazer o mal é infringi-la.”
Allan
Kardec, nas Leis Morais de O livro dos espíritos, destaca que a lei divina ou
natural, a Lei de Deus, é “a única e verdadeira a conduzir o homem à felicidade
e que lhe indica o que ele deve ou não fazer” e que essa “lei está escrita na
consciência do homem” ²
A
ética, seguindo a filosofia espírita, está bem definida no livro dos espíritos,
ao examinar a Lei do Grande Geômetra no tocante ao bem e o mal e ao apresentar
esta lei subdividida em: leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação,
destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de
justiça, amor e caridade. Para Kardec, “essa última lei é a mais importante,
por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que
resume todas as outras.” Sobre essa lei moral, Kardec enfatiza em O livro dos
espíritos: “O progresso da Humanidade tem seu princípio na aplicação da lei de
justiça, de amor e de caridade, lei que se funda na certeza do futuro.”² A
ética espírita baseia-se nas máximas morais do Cristo e busca o conhecimento da
verdade.
O
comportamento ético-maçônico não pode se limitar ao ambiente interno das Lojas ou
no atendimento das carências do próximo e deve se constituir o nosso modo de
ser e de agir em todas as circunstâncias da vida. Inclui os esforços de
melhoria pessoal e no relacionamento dentro do contexto em que vivemos. Os
problemas morais do mundo são a miséria, a corrupção, a ambição, cuja matriz
está no egoísmo. A propósito, Emmanuel discorre que “no mais desenfreado
egoísmo, que provocou a crise moral do mundo, em cujos espetáculos sinistros
podemos reconhecer que o homem físico, da radiotelefonia e do transatlântico,
necessita de mais verdade que dinheiro, de mais luz que de pão.”
O
citado autor espiritual também alerta: “As vossas cidades não se encontram
repletas de associações, de grêmios, de classes inteiras que se reúnem e se
sindicalizam para determinados fins, conjugando idênticos interesses de
vários indivíduos? Aí, não se abraçam os agiotas, os políticos, os
comerciantes, os sacerdotes, objetivando cada grupo a defesa dos seus
interesses próprios?”
Numa
sociedade com forte apelo materialista, incluindo práticas monetaristas e
consumistas, apesar de lícitas, indagamos como caria a relação egoísmo/altruísmo
e se haveria conveniência na ótica espiritual. Interessante é que a tendência
plausível de se cuidar do corpo, muitas vezes, também tem um viés de egoísmo e
narcisismo. Emmanuel comenta a importância do “corpo são”, porém acrescenta:
“[...] a “mentalidade sadia” somente constituirá uma realidade quando houver um
perfeito equilíbrio entre os movimentos do mundo e as conquistas interiores da
alma.” Os aplausos e os triunfos materiais, por mais meritórios que sejam,
podem se constituir meios e resultados inconvenientes sob a ótica da vida
imortal. Os valores espirituais e afetivos não podem ser subjugados por valores
cognitivos e imediatistas. Emmanuel faz um valioso apontamento sintético: “O
sentimento e a sabedoria são as duas asas com que a alma se elevará para a
perfeição infinita.” Essas colocações espirituais e espíritas colaboram para
uma análise das questões relacionadas com a ética e a moral e as opções
individuais no mundo atual. Contribuições que podem ser parâmetros para se definir
o que é lícito e conveniente, o que atende aos objetivos do bem, ou seja, o que
é moralmente compatível com os ensinos do Cristo e os princípios do
Espiritismo.
Na
turbulência política e institucional que o país vive fica clara a debilidade
de valores éticos e morais em vários níveis da sociedade brasileira. Todavia,
num sistema democrático. O povo tem muita responsabilidade na escolha de seus
líderes. Assim, há indícios de que a enfermidade ética e moral tem raízes desde
a base da sociedade. As inquietações e até turbulências que advém das dificuldades
que a população passa nos momentos de crises mais intensas devem ser encaradas
com respeito e serenidade. Manifestações, em geral, são lícitas. O exercício de
se ouvir opiniões contrárias faz parte do processo. Porém não são convenientes
alguns de seus desdobramentos no diapasão de violências e de desrespeito à
pessoa e ao patrimônio público e privado.
Sobre
situações similares, Emmanuel no livro O consolador, diz: “[...] no fracasso de
todas as tentativas pacíficas, o cristão sincero, na sua feição individual,
nunca deverá cair ao nível do agressor, sabendo estabelecer, em todas as
circunstâncias, a diferença entre os seus valores morais e os instintos
animalizados da violência física.” A comunidade maçônica também é ambiente para
o cultivo de valores ético-morais.
Em
nossos dias, é muito necessária e importante a análise sobre os rumos que está
tomando a Ordem maçônica e a continuada verificação com base nos critérios
paulinos de “conveniente” e de “bem” e os parâmetros de Allan Kardec. É
oportuna e sugestiva a advertência sobre a “esquina de pedra”: “É uma pedra de
tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo
desobedientes; para o que também foram destinados.” (I Pedro 2, 8).
Durante
suas viagens e contatos com lideranças da filosofia espírita, Kardec já sentia
e alertava: “O homem que pratica o bem — isto dito em tese geral — deve, pois,
esperar contar com a ingratidão, ter contra ele aqueles que, não o praticando,
são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se
sentindo fortalecidos para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu
nível, pondo em xeque, pela maledicência ou pela calúnia, aqueles que os
ofuscam.”
As
posições de Kardec são fortalecidas por textos clássicos do filósofo
norte-americano William James, praticamente o iniciador da psicologia da
religião, que considera a noção de “religião pessoal” ligada à esfera das
“disposições interiores” dos indivíduos. Nessa perspectiva, o acadêmico James
propõe para se transcender o aspecto meramente institucional e formal, isto é,
incentivando-se a conscientização – no campo da experiência religiosa per se –
dos adeptos perante o imperativo de se associar a “razão” ao “sentimento”, promovendo
a “fusão do saber e da ação”.
Para concluir, As obras de Kardec, em vários trechos, comentam a causa principal dos distúrbios ético-morais, que pode ser resumida com a frase: “O egoísmo, chaga da Humanidade, tem que desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta.” Lembremos mais uma vez o apóstolo Paulo com seus marcantes registros. Anota a situação dele e, pode-se dizer de muitos que adotam princípios ético-morais no contexto de nosso mundo: “Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.” (Gálatas 6, 17) Porém, deixa claro que a consciência tranquila e o dever cumprido são as melhores recompensas espirituais: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.(Timóteo 4, 7).
1) Souza, Sonia Maria Ribeiro. Um outro olhar: filosofia. 1.ed. Cap. 10. São Paulo: FTD. 1995.
2) Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O livro dos espíritos. 70.ed. 3a Parte, cap. II a XI; questões 629 e 630; Conclusão IV. Rio de Janeiro: FEB. 1989.
3) Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O evangelho segundo o espiritismo. 131.e. Cap. XI, item 11. Brasília: FEB. 2013.
4) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Epístolas de Paulo à luz do espiritismo. 1.ed. Cap. 2 e 5. Matão: O Clarim. 2016.
5) Champlin, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4. São Paulo: Hagnos, 2014.
6) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. O consolador. 29.ed. Questões 68, 127, 148, 170, 204, 345, 365. Brasília: FEB. 2013.
7) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. Cap. 1.1, 2.2. Matão: O Clarim. 2016.
8) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. Viagem espírita de 1862 e outras viagens de Allan Kardec. 1.ed. Cap. Discursos pronunciados na reuniões gerais de Lyon e Bordeaux. FEB. 2005.
9) Carvalho, Flávio Rey; Carvalho, Antonio Cesar Perri. Espiritismo como religião: algumas considerações sobre seu caráter religioso e seu desenvolvimento no Brasil. In: Souza, André Ricardo; Simões, Pedro; Toniol, Rodrigo (Org.). Espiritualismo e Espiritismo. Reflexões para além da espiritualidade. 1.ed. Parte 1, Cap. 2. São Paulo: Editora Porto de Ideias. 2017.
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