Fagundes Varela (poeta predileto
de Castro Alves) por longos anos foi colaborador do “Correio paulistano”. Nele
fez publicar, dois trabalhos eminentemente espíritas, apesar de não classificar o poeta de ser espírita. Trata-se de “As ruínas do
Glória” e “ A Guarida de Pedra”, sendo este último posto de lado por não se
tratar de um fato espírita vivido. Os dois trabalhos são curiosas contribuições
do grande poeta à já extensa bibliografia espírita nacional, que, assim, mais uma vez se enriquece.
Fagundes Varela |
A geração literária de Fagundes
Varela teve grande influência poética e mórbida de Byron.
Ao tempo em que Fagundes Varela
cursava a faculdade de Direito de São Paulo alguns de seus colegas resolveram,
certa noite, fazer o que eles, risonhos, chamam de “byronada”. “A brincadeira”,
conta Pires de almeida, então um dos amigos de Varela, constava de um passeio
noturno pelo cemitério da consolação. Passando à palavra ao próprio Pires de
Almeida. Chamando a atenção, os termos maçônicos inseridos neste conto.
Eis a estória :
Eis a estória :
-...Assolava então a cidade pavorosa
epidemia de modo que, mesmo a desoras se realizavam enterros. Entre remoques,
gargalhadas, pilhérias e versos de Byron, declamados na tradução de Vieira
Bueno, seguia o grupo, ora trepado sobre uma sepultura, ora sopesando um
crânio, ora tamborilando, irreverente, sobre as caixas de vidro das carneiras.
- E se proclamássemos a Rainha
dos Mortos? – lembrou um deles. Conseguem, escavando uma sepultura, e
despejando dela uma velha, enterrada de véspera. Resolvem descer, então
cautelosamente pelas ruas desertas, rumo da casa de Eufrásia, uma pobre mundana
que tinha fama de estúpida, e que seria a Rainha.
Ao passar em frente à Loja
América, delibera o grupo arrombá-la, para se ornar com os paramentos
maçônicos. A poucos passos dali, encontram os dois conhecidos tipos de rua, o
Mota, que havia sido estudante de Heidelberg, e vivia em constante embriaguez,
e o Padre Bacalhau, já suspenso de ordens, e vagando pelas vielas, maltrapilho
e sujo.
Ao grupo se incorporaram dois
boêmios. Chegam à casa de Eufrásia, que, pouco antes, assomara a porta, a
despedir-se do último amante. Batem. Entreabre-se um postigo, e aparece a
meretriz, suspendendo o candeeiro por sobre a cabeça, a tentar debalde
reconhecer alguém do grupo. Impossível. Os paramentos maçônicos, os chapéus
desabados, as vozes imperiosas, enchem-na gradualmente de supersticioso terror.
Um estudante, vestido de Irmão terrível,
e com insígnias do Venerável da Loja, salta sobre ela, agarra-a nos braços, e
enquanto desmaia de susto, envolve-a num lençol, e coloca-a dentro do caixão
mortuário, que haviam trazido do cemitério. E com os vistosos trajos da
maçonaria, se põe a procissão em marcha, ao som do cantochão cantado roucamente
pelo Padre Bacalhau, enquanto ao seu lado, Mota declama em alemão, a Canção dos Estudantes, de Goethe .
E assim seguem de novo, vesanicamente byronizados, rumo da necrópole. Penetrando nela, Falicro divisa um túmulo recente, com esta simples inscrição: - Judith 20 anos. Era o túmulo de formosa israelita, morta recentemente, e à qual o estudante dedicara desafortunado amor. Filha de um hoteleiro judeu, estabelecido no Largo do Colégio, exigira o pai que ele fosse obter autorização expressa da família para o enlace e, na sua ausência, casou-a, à força, com um caixeiro, também judeu. Ao voltar Falicro, no mesmo dia em que chegava de São Paulo, enterrava-se Judith.
E assim seguem de novo, vesanicamente byronizados, rumo da necrópole. Penetrando nela, Falicro divisa um túmulo recente, com esta simples inscrição: - Judith 20 anos. Era o túmulo de formosa israelita, morta recentemente, e à qual o estudante dedicara desafortunado amor. Filha de um hoteleiro judeu, estabelecido no Largo do Colégio, exigira o pai que ele fosse obter autorização expressa da família para o enlace e, na sua ausência, casou-a, à força, com um caixeiro, também judeu. Ao voltar Falicro, no mesmo dia em que chegava de São Paulo, enterrava-se Judith.
É fácil compreender-se o
desespero do acadêmico, que como um doido, escava a terra, e parte a tampa do
caixão. Judith aparece-lhe nua, à frouxa luz do luar. (Os israelitas enterram
nus os cadáveres, para que saiam deste mundo, nus como nele entraram). Toma-a
nos braços e lhe aproxima os lábios ardentes na boca fria. Mas não pôde
suportar o mau cheiro, que, do cadáver putrefato, se desprende. Recua, num
grito pungente, e esconde a cabeça entre as mãos, soluçando, com os olhos muito
abertos e muito enxutos, como se tivesse ensandecido!
Uma onda de tristeza se apoderou
de todos os corações. Mas afinal, um da turma exclama, quebrando o silêncio:
-Eia, rapazes! É tempo de
celebrarmos as bodas da Rainha dos Mortos
!
Foi escolhido Satã (davam-se
nomes simbólicos, uns aos outros), para amante. Num pulo, este saltou sobre o
caixão, cuja tampa caiu para um lado, e apertou Eufrásia, ardentemente, nos
braços. De repente, porém, se levantou lívido, com os cabelos desgrenhados,
maxilar inferior a tremer, como se quisesse articular uma palavra, mas lhe
faltassem forças. Todos atônitos o contemplavam.
-Morta! Está morta! – conseguiu,
afinal, balbuciar, e abalou daquele cenário, como alucinado.
Com efeito, a infeliz mulher
tinha morrido de terror! Houve um momento de hesitação. Depois fugiram como bandidos receosos da ação da justiça. Daí a dias,
procurava-os a polícia, desejosa de punir os profanadores de túmulos...”
* * *
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